Uma celeuma que divide governistas e oposição tem marcado as sessões e reuniões internas na Assembléia Legislativa. O poto do (dês)equilíbrio é o pedido do governo do Estado para ampliar, de 5% para 11,86%, a margem de capacidade de remanejar os recursos do orçamento aprovado para o exercício de 2010.
Na ala governista, o discurso é de que a Assembléia quer travar o governo, que pagamentos de servidores e de programas como o do Leite serão extintos.
Na ala oposicionista, o discurso é o de que o governo quer ampliar a margem de gastos com a sucessão eleitoral.
No centro, o prazo: no dia 11 próximo termina o prazo regimental de 45 dias para que a matéria seja levada a plenário depois de analisada pelas partes.
Se vai ser aprovada ou não, e como poderá ser, é outra história.
O jurista Paulo de Tarso Fernandes foi deputado e exerceu 3 mandatos. Ele considera que a ampliação da margem de remanejamento é desnecessária e pode ter interesse político.
Eis a entrevista que ele concedeu ao Blog:
Thaisa Galvão – Como o senhor está vendo essa queda-de-braço entre o governo do Estado e a Assembléia Legislativa?
Paulo de Tarso Fernandes – Eu acho que há uma visão desfocada. A Assembléia Legislativa tem uma função institucional e constitucional, que é de autorizar arrecadação de impostos e autorizar despesas. É função do Parlamento, isso está na essência da democracia.
Thaisa – E qual está sendo o papel da Assembléia nesse episódio?
Paulo de Tarso – Neste embate a Assembléia Legislativa não quer fazer o papel de fantoche. Quer manter o que decidiu, que é aprovar o orçamento de acordo com o que os parlamentares acharem conveniente. O Brasil, por causa de anos de ditadura, destruiu a liberdade individual, e cada vez que o Parlamento se pretende impor, há sempre acusações de que quer interferir no Executivo. E isso é perigoso.
Thaisa – Mas nessa celeuma a Assembléia não estaria fazendo o papel do Executivo?
Paulo de Tarso – Não. Dinheiro de convênio é carimbado. Se não tem crédito, claro que tem que pedir. O presidente da República não faz um acordo internacional sem antes o Congresso Nacional aprovar. A Assembléia não está impedindo o Executivo de governar. Dentro da sua margem de remanejamento, o governo pode retirar o que a Assembléia aprovou, por exemplo, para uma ponte em Martins para gratificar seus servidores. Agora o governo pretende que a Assembléia autorize que ele gaste, à revelia, recursos de um convênio federal, da maneira que o Executivo achar conveniente.
Thaisa – Mas antes isso era possível. Por que agora não é mais? O que fez a Assembléia mudar?
Paulo de Tarso – Não discuto que isso existiu. Mas o presidente Robinson Faria quer retomar a verdadeira essência da Assembléia. Vou contar um exemplo: eu fui deputado estadual por 12 anos. Nunca a Assembléia aprovou crédito ilimitado. Um ponto que considero fundamentel: as ações administrativas só são realizadas pelo Executivo, ou pelo Executivo e Legislativo juntos? Numa democracia isso tem que ser feito pelos dois.
Thaisa – A Assembléia quer retomar esse papel?
Paulo de Tarso – Sim. A Assembléia tem que autorizar a receita e a despesa. As prioridades têm que ser discutidas de forma que o debate social aconteça, e isso cabe ao Legislativo.
Thaisa – É isso o que a Assembléia está querendo, então? O debate?
Paulo de Tarso - A posição que a Assembléia toma agora é definitiva para a retomada dos debates a respeito das prioridades que devem ser dadas ao gestor público. Ninguém, até hoje, ouviu falar que alguém fosse ao gabinete do governador para debater o que é melhor para o Estado. Na Assembléia isso se dá todos os dias.
Thaisa – Nessa questão dos servidores, falou-se em não honrar compromissos caso a ampliação do remanejamento não fosse aprovada...
Paulo de Tarso – Para pagar servidor é feito um empenho anual. O governo compromete a verba para o ano inteiro. O orçamento que foi aprovado já contempla isso. Se o governo pretende dar um aumento, tem que pedir crédito suplementar A Assembléia aprova, ou não.
Thaisa – E isso não tem nada a ver com o remanejamento...
Paulo de Tarso – Nada. Tem que pedir e não tem nada com remanejamento. Até porque não se pode remanejar para pagar servidor público.
Thaisa – O que se sabe agora é que, sem a ampliação do remanejamento, o Programa do Leite corre risco de ser extinto. O governo já deve 9 milhões de reais aos produtores e diz que não tem como pagar.
Paulo de Tarso – Não deve ser verdade porque orçamento é previdência. É previsão. Então, no orçamento, o governo já mandou contemplar o Programa do Leite, senão, foram eles quem erraram. Se por acaso o governo quer aumentar o preço do litro do leite ao produtor, pede crédito suplementar, não tem nada a ver com remanejamento.
Thaisa – Qual a justificativa apresentada pelo governo para pedir a ampliação do remanejamento?
Paulo de Tarso – Existem duas vertentes: primeiro, aumentar de 5% para11,86% a capacidade de remanejar recursos do orçamento. Além disso, autorizar, à revelia do Poder Legislativo, e portanto, do debate, a aplicação das receitas (empréstimos e convênios), de acordo com a decisão solitária do governador. A Assembléia tem 24 deputados e a ampla participação do povo e dos deputados, e isso é que é transparente.
Thaisa – Então, se você como jurista, como ex-deputado, afirma que a ampliação do remanejamento é desnecessária, por que então toda essa celeuma?
Paulo de Tarso – Eu penso que é para dar liberdade ao governo em um ano eleitoral, dando poderes somente ao Executivo. O que é eticamente condenável pela falta de debate e francamente inconstitucional, vez que a Constituição proíbe créditos ilimitados.
Thaisa – Então vamos ser práticos: por causa da não aprovação da ampliação da margem de remanejamento, o Programa do Leite será extinto?
Paulo de Tarso – Claro que não, no orçamento existe a dotação.
Thaisa – Os servidores serão penalizados, poderão ficar sem salários?
Paulo de Tarso – Não.
Thaisa – Há alguma alteração no caso do empréstimo autorizado pela Assembléia?
Paulo de Tarso – O empréstimo aprovado pela Assembléia será aplicado, mas de acordo com o que a Assembléia aprovou. Se quiser alterar, vai ter que pedir.
Thaisa – Você não acha que há a intenção da Assembléia travar o governo?
Paulo de Tarso – Claro que não. O governo tem orçamento e deveter consciência de que tem que ter transparência.
Fonte: Thaisa Galvão
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